10 de março 2018

10 de março 2018
Chamados, Amados e guardados

domingo, 15 de junho de 2025

QUANDO JESUS CRISTO FOI ABANDONADO

Quando Jesus Cristo foi abandonado

 

Não foi apenas o corpo que se fez ausente entre os homens — foi a essência do compromisso, a fragilidade da lealdade humana que se revelou na hora escura. Semelhante é o destino de todo aquele que, ao doar-se, desperta a conveniência nos outros: enquanto o vinho é doce, todos estendem suas taças; mas quando a videira seca, o convívio se esvai.

 

É então que a presença se torna deserto, e a multidão, sombra. Aqueles que contigo brindavam sob o sol desaparecem quando a tempestade anuncia perda. Recolhem-se, não por malícia — mas por temor. Fogem para o “covil dos lobos”, onde se sentem seguros entre os seus iguais, onde o conforto da indiferença os poupa da coragem de ficar.

  

E tu, deixado à margem, descobres não a solidão, mas a verdade. Pois na ausência dos que partem, floresce a companhia do que é eterno — e essa companhia, silenciosa e austera, tem nome: consciência. 

 

Mas é quando a alma se vê exilada — quando o eco dos passos alheios se torna ausência — que Cristo, já não homem, mas símbolo, revela a nudez do amor verdadeiro: aquele que permanece quando tudo foge.

  

Pois há nos corações um pacto não dito: “apenas te acompanho até onde não me ameaças”. Eis o mandamento oculto dos que aplaudem enquanto são servidos, mas recuam quando se pressente a ruína. 

 

E no instante em que pressagiam a queda, voltam-se ao covil — esse abrigo de lobos disfarçado em salão de alianças frágeis — e ali, entre sombras e máscaras, renunciam ao compromisso como quem despe um manto que nunca lhes pertenceu.

  

Tu, no entanto, prossegues só — não porque és menos, mas porque és inteiro. O abandono, que aos fracos é dor, em ti se transfigura em claridade: és como a vela que, consumida, revela mais do que ilumina. 
E assim, o que resta não é desamparo, mas revelação. Pois quem caminha contigo só nos dias de júbilo, jamais te acompanhou de fato. 
“Quando Jesus Cristo foi abandonado”, não houve apenas a traição da carne, mas o êxodo dos que se diziam companheiros. 
A cruz não doeu tanto quanto a ausência súbita dos rostos que antes sorriam à mesa. “Alberto Caeiro” talvez dissesse: “Cristo foi deixado porque os homens têm medo das árvores sem sombra. Querem o calor, mas não o tronco que sangra.” 

 

“Ricardo Reis”, compenetrado, entoaria: “Não lamentes a fuga dos que se diziam fiéis — A sorte é instável, e o amor dos homens é feito de vento e cálculo. Sê como os deuses: solene, solitário, resignado.” 

 

“Álvaro de Campos” rugiria entre lágrimas e cigarros: “Estou farto de semi-ternuras, de lealdades de conveniência! Quando o mundo ruge, todos voltam aos seus buracos, e eu fico só, com a náusea dos abraços que foram empréstimos!” 

 

“Bernardo Soares”, arrastando as palavras num murmúrio lúcido, escreveria no silêncio: “O abandono me purifica. Ao me deixarem, deixaram também suas máscaras. Agora, sou eu — só, mas real.” E tu, que contemplas essa dança dos ausentes, descobres que o abandono é clarão. 
Pois o amor verdadeiro do risco, e a amizade não foge quando sente frio. 
E ao veres todos voltarem ao *covil dos lobos*, onde o conforto anula a coragem, 
Tu permaneces à beira do abismo — e é ali que o divino se aproxima

 

E é na hora extrema, quando a luz se apaga em torno e o frio se infiltra pelos cantos da alma, que os gestos esquecem o nome, e os nomes perdem rosto. Ficas tu — despido das ilusões alheias, envolto no manto austero da verdade.

 

“Alberto Caeiro”, com os pés descalços na terra úmida, sussurra: “As pessoas vão embora porque o céu muda de cor. Não querem olhar nuvens que prometem chuva. Só amam o campo quando ele floresce.”

  

“Ricardo Reis” ergue o cálice da resignação e decreta: “Tudo passa. Até os que juraram eternidade. Sê firme como quem compreende o fim antes do começo.” 

 

“Álvaro de Campos” explode em dor com a veemência do mundo moderno: “Não quero mais essa gente feita de hesitações! Que me abracem no trem bala da glória, mas saltem na primeira estação da aflição! Estou farto de almas passageiras!”

  

“Bernardo Soares”, calado em sua Lisboa fictícia, escreve no escuro: “A solidão é meu único cúmplice verdadeiro. Quando todos partem, ela permanece — imóvel, como um espelho que não nega reflexo.” 

 

“Fernando Pessoa”, o arquiteto de todos, insinua com sua lucidez inquieta: “Fui muitos, porque um só não me bastava. E mesmo assim, nenhum dos meus eus conseguiu me salvar da verdade: Que amar é ser abandonado — e ainda assim permanecer inteiro.”


PENSE NISSO!


CEZAR JUNIOR GOMES 

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