10 de março 2018

10 de março 2018
Chamados, Amados e guardados

terça-feira, 28 de outubro de 2025

A DOUTRINA ECLESIÁSTICA DO PECADO

 A Doutrina Eclesiástica do Pecado

(Versão com análise hebraica e grega — teológico-literária)

A doutrina eclesiástica do pecado é uma das colunas mestras da fé cristã, pois trata da relação entre a santidade de Deus e a corrupção do homem. Nenhum tema é mais decisivo para a compreensão da redenção do que o pecado, pois ele é o abismo moral e espiritual que separa o Criador de Sua criatura.


1. A origem e natureza do pecado

Na Escritura, o pecado é descrito como um rompimento da aliança. O termo hebraico mais usado para “pecado” é חַטָּאת (chattā’t), proveniente da raiz חָטָא (chātā’), que literalmente significa errar o alvo.

Essa expressão revela que o pecado é mais que uma falha moral: é o desvio do propósito divino, a distorção da vontade humana em relação à vontade de Deus. O homem peca quando troca o centro — Deus — pelo próprio ego.

Outros termos hebraicos também ampliam o sentido:

עָוֹן (‘avon) — indica iniquidade, perversão moral, a deformação interior do caráter.

פֶּשַׁע (pesha’) — significa rebelião, transgressão consciente, sugerindo o ato deliberado de romper com a autoridade divina.

Essas três palavras aparecem repetidamente nas Escrituras para expressar o pecado em suas dimensões distintas: erro, corrupção e rebeldia. Isaías 53:5 declara:

“Mas ele foi ferido pelas nossas פְּשָׁעִים (pesha‘im), e moído pelas nossas עֲוֹנוֹת (‘avonot).”

Aqui se vê o poder da redenção: o Servo Sofredor carrega não apenas os erros, mas a perversão e a rebeldia de toda a humanidade.

No Novo Testamento, o termo grego predominante é ἁμαρτία (hamartía), igualmente traduzido como “errar o alvo”. A palavra descreve a condição universal do homem: “Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3:23).


2. O pecado original e sua herança

Segundo a tradição eclesiástica, o pecado não é apenas um ato, mas um estado hereditário.

Adão, como cabeça federal da raça humana, introduziu o pecado no mundo (Romanos 5:12).

No hebraico, o relato de Gênesis 3 não descreve apenas um erro, mas uma quebra da palavra (davar) — e, portanto, da comunhão. O homem deixou de ouvir a voz divina (qôl Elohim) e preferiu a voz da serpente.

Essa ruptura foi mais do que moral; foi ontológica: afetou a própria estrutura do ser humano.

A Igreja ensina que a natureza humana, desde então, carrega uma tendência (yetzer) ao mal — conceito já presente em Gênesis 6:5:

“Toda a imaginação (yetzer) dos pensamentos do seu coração era só má continuamente.”

Assim, a teologia entende que o pecado é a doença da alma e a deformação da imagem divina no homem.


3. As dimensões do pecado

O pecado é pessoal, coletivo e cósmico.

Pessoal, porque nasce no coração — “O coração é enganoso mais do que todas as coisas” (Jeremias 17:9).

Coletivo, porque corrompe estruturas e sistemas, como denunciavam os profetas.

Cósmico, porque toda a criação geme sob seus efeitos (Romanos 8:22).

A tradição eclesiástica reconhece, portanto, que o pecado não é mero comportamento, mas um poder espiritual que contamina a totalidade da criação.


4. As consequências espirituais

O salário do pecado é a morte (θάνατος – thánatos), isto é, separação de Deus.

A primeira consequência foi a perda da comunhão: Adão se escondeu da presença divina (pānîm YHWH).

Depois veio a culpa (‘asham) e o medo, que são os sintomas espirituais da ruptura.

O homem tornou-se cativo de si mesmo, incapaz de se libertar pela própria força. Por isso, Agostinho declarou: “Non posse non peccare” — o homem, em seu estado decaído, não pode deixar de pecar.


5. O remédio eclesiástico: graça e arrependimento

A resposta divina ao pecado não foi destruição, mas redenção.

Em Cristo, Deus tomou sobre Si a culpa do homem. A cruz é o ponto em que a justiça e a misericórdia se encontram.

A graça (cháris, no grego; chen, no hebraico) é o remédio que restaura o pecador e o reconduz à comunhão perdida.

A Igreja, como corpo de Cristo, é o instrumento da graça: proclama o arrependimento, administra os sacramentos e orienta o homem à santificação.

João escreve:

“Se confessarmos os nossos pecados (hamartías), Ele é fiel e justo para nos perdoar” (1 João 1:9).

O perdão é mais que absolvição; é reconfiguração espiritual, um novo nascimento (gennēthēnai ánōthen).


6. O propósito doutrinário e pedagógico

A doutrina eclesiástica do pecado não busca apenas condenar o homem, mas conduzi-lo ao arrependimento e à graça. Ela revela o abismo da culpa para exaltar a altura da misericórdia. Onde o pecado abundou (epleonasen), a graça superabundou (hyperperisseusen), como afirma Paulo (Romanos 5:20).

Reconhecer o pecado é o início da sabedoria espiritual. O homem que se vê caído tem a oportunidade de ser levantado pela cruz.


Conclusão

O pecado é a ferida; Cristo é o bálsamo. O pecado é o abismo; Cristo é a ponte.

A doutrina eclesiástica do pecado revela o drama humano e, ao mesmo tempo, a esperança divina. O homem, criado à imagem de Deus, perdeu-se no labirinto do ego; mas pela graça, reencontra o caminho da comunhão.

O homem honrado não necessita ser lembrado; sua história o faz eterno. Já o que busca a honra sem ter caminho, vive de reflexos e sobrevive do esquecimento. Pois a verdadeira honra não se dá, conquista-se; não se impõe, revela-se; e não se compra, vive-se.


Pense nisso!

Cezar Jr Gomes

quinta-feira, 23 de outubro de 2025

A DESONRA DA HONRA MAL DIRECIONADA.

Há uma corrupção moral que se infiltra nas estruturas da sociedade e envenena o senso de justiça: a inversão da honra. Quando se dá reconhecimento àqueles que não possuem história, o aplauso se torna profanação e o elogio, uma forma de injustiça. Tal ato não apenas desvirtua o mérito, mas conspira contra a verdade. Honrar quem não tem história é trair a memória dos que edificaram o caminho com lágrimas, fé e sacrifício; é desonrar os alicerces morais erguidos por mãos que jamais buscaram fama, mas fidelidade.


A honra, segundo a sabedoria bíblica, não é cortesia social, mas expressão da justiça divina. O apóstolo Paulo, escrevendo aos Romanos, declara: “A quem honra, honra” (Romanos 13:7). Não se trata de um conselho humano, e sim de um princípio espiritual que sustenta a ordem moral do universo. A honra é a recompensa simbólica do caráter; é o reconhecimento visível do invisível. Quando concedida a quem não possui virtude, torna-se uma forma de idolatria, uma exaltação do efêmero em detrimento do eterno.


A filosofia também contempla esse dilema. Aristóteles, em sua Ética a Nicômaco, definia a honra como o prêmio da virtude, mas advertia que ela perde sua pureza quando é dada sem critério moral. O homem deve ser honrado não por aquilo que ostenta, mas por aquilo que é. Santo Agostinho, refletindo em A Cidade de Deus, afirma que “a glória dos homens é vento, mas a glória de Deus é eternidade”. A honra humana, quando desvinculada da verdade divina, torna-se vento que passa e poeira que não permanece.


Cícero, o mestre da retórica e da moral romana, escreveu que “a história é testemunha dos tempos, luz da verdade e vida da memória”. Negar a história é apagar o testemunho do justo. Quando a sociedade passa a aplaudir o vazio, ela renega seus heróis silenciosos, substituindo a profundidade pela superfície, a substância pela aparência. O que antes era altar de reconhecimento converte-se em palco de vaidade.


O profeta Isaías advertia: “Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal” (Isaías 5:20). Essa inversão moral, descrita há milênios, repete-se em nossos dias sob novas formas. A cultura moderna, fascinada pelo brilho momentâneo, confunde prestígio com propósito e fama com fidelidade. A honra, quando concedida sem verdade, torna-se um ídolo esculpido à imagem da conveniência.


A honra, portanto, é mais que homenagem — é o selo do tempo sobre o caráter. Ela não se fabrica, revela-se; não se compra, conquista-se; não se impõe, vive-se. Sua autenticidade nasce da constância, e sua nobreza, da coerência.


O homem honrado não necessita ser lembrado; sua história o faz eterno. Já o que busca a honra sem ter caminho, vive de reflexos e sobrevive do esquecimento. Pois a verdadeira honra não se dá, conquista-se; não se impõe, revela-se; e não se compra, vive-se.



Pense nisso!


Cezar Jr Gomes

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

QUANDO A FACADA CHEGOU ATRASADA

 “Quando a Facada Chegou Atrasada”

 

Quando a facada chegou, já era tarde. Não porque o aço não soubesse o caminho, mas porque o espírito já conhecia a dor. Há feridas que não vêm da lâmina, mas do olhar que finge amizade enquanto prepara o golpe. Contudo, quando o coração já discerniu o teatro da falsidade, o punhal perde o poder de surpresa.

Eu já sabia. O discernimento é a couraça dos que caminham com Deus. O Espírito Santo sussurra antes que o traidor se levante da mesa. Ainda assim, não o expulsei — porque Jesus também não o fez. Olhei para o traidor e, em silêncio, recordei as palavras do Mestre: “Amigo, a que viestes?”.

Há um mistério nobre nessa resposta. Cristo, conhecendo o propósito de Judas, não o chamou de inimigo. Chamou-o amigo. Talvez porque os inimigos de fora não ferem tanto quanto os amigos de dentro. Ou talvez porque, na economia divina, até a traição serve a um propósito redentor. O beijo que Judas deu foi a assinatura da cruz, e a cruz, paradoxalmente, foi a vitória da graça.

A facada chegou atrasada, porque o coração já estava entregue. Nada fere aquele que já se sacrificou no altar da obediência. Os golpes dos homens não doem quando já fomos crucificados com Cristo. O sangue que escorre não é de derrota, mas de propósito.

E assim compreendi: há traições que são degraus. Há feridas que são revelações. E há dores que não vêm para destruir, mas para consagrar. O amigo que fere sem saber é, muitas vezes, o instrumento que Deus usa para nos conduzir ao Gólgota, onde o ego morre e a vontade do Pai triunfa.

Por isso, quando a facada chegou — atrasada e inútil — apenas sorri. Já não era ferida, era confirmação. E respondi, como o Mestre:

“Amigo, a que viestes?”

Pois quem anda com Deus entende — até o golpe faz parte da glória.

PENSE NISSO!

CEZAR JR GOMES

terça-feira, 14 de outubro de 2025

MACHO E FÊMEA OS CRIOU: UMA ANÁLISE TEOLÓGICA, ONTOLÓGICA E CIENTÍFICA DA DUALIDADE SEXUADA

Resumo

O presente artigo propõe uma análise interdisciplinar sobre a distinção sexual entre macho e fêmea à luz da teologia cristã, da filosofia clássica e da biologia moderna. Partindo do texto de Gênesis 1:27, demonstra-se que a diferenciação sexual é constitutiva da imago Dei e encontra respaldo tanto na metafísica teológica quanto nas evidências genéticas da biociência contemporânea. Contrapõe-se, ainda, o discurso pós-moderno que relativiza as categorias biológicas e ontológicas, substituindo a verdade por construções subjetivas. Conclui-se que a convergência entre fé e ciência reafirma a verdade imutável da criação divina: “macho e fêmea os criou”.

Palavras-chave: Teologia; Ontologia; Cromossomos; Sexualidade; Pós-modernidade.

1. Introdução


A contemporaneidade testemunha uma crescente desordem epistemológica no campo da antropologia, onde a identidade humana, antes fundamentada em bases ontológicas e biológicas, tornou-se refém de percepções voláteis e subjetivas. Tal fenômeno reflete o colapso das categorias criacionais estabelecidas pelo Criador no Gênesis.

A máxima bíblica “macho e fêmea os criou” (Gn 1:27) não constitui mera descrição zoológica, mas uma afirmação teológica de ordem e propósito. A diferença sexual, longe de ser acidental, revela um projeto divino inscrito no próprio ser.


2. Fundamentação Teológica da Dualidade Sexual


A teologia patrística e escolástica compreende a sexualidade humana como reflexo da imago Dei. Santo Agostinho, em De Civitate Dei, defende que o ser humano, criado em dois sexos, espelha a relação de alteridade presente na própria Trindade.

Tomás de Aquino (Suma Teológica, I, q. 92) afirma que “a mulher foi criada como auxiliar idônea, não pela deficiência do homem, mas pela perfeição da espécie humana, que se completa na diversidade sexuada”.

Essa complementaridade expressa a dimensão relacional do amor divino. Segundo Karl Barth (Church Dogmatics III/1), “a diferença entre homem e mulher é o primeiro e mais visível sinal do pacto de Deus com a criação”. A sexualidade, portanto, é sacramento da comunhão — símbolo da alteridade divina.


3. A Perspectiva Científica: O Testemunho dos Cromossomos


A biologia molecular corrobora a existência objetiva do binarismo sexual. O sistema cromossômico humano é composto por 23 pares de cromossomos, dos quais o par sexual define o sexo biológico: XX para o feminino e XY para o masculino.

Pesquisas em genética, como as conduzidas por Francis Collins (2006), demonstram que tais determinações são fixas e imutáveis na codificação do DNA. Mesmo diante de condições intersexuais, a análise citogenética revela o predomínio de um padrão cromossômico definido.

Portanto, a ciência moderna não destrói o relato bíblico, mas o confirma empiricamente: há, de fato, uma ordem binária estabelecida na estrutura genética da humanidade.


4. Crise Pós-Moderna e a Desconstrução da Ontologia Sexual


A ideologia de gênero contemporânea, apoiada em fundamentos construtivistas e relativistas, tenta dissolver as categorias naturais do ser.

Jean Baudrillard (1991) descreve essa era como “a era das simulações”, na qual os signos se libertam da realidade e passam a flutuar no vazio semântico.

Jürgen Habermas (1987) observa que a razão instrumental substituiu a razão comunicativa, tornando a verdade um produto da subjetividade e não da realidade objetiva.

Tal paradigma reflete, teologicamente, a antiga heresia gnóstica: a negação dos limites criacionais e a pretensão do homem de redefinir sua própria natureza.


O apóstolo Paulo, em Romanos 1:25–27, denunciou esse desvio como a inversão da verdade de Deus em mentira, resultando em confusão moral e espiritual. A pós-modernidade repete o mesmo gesto adâmico de rebelião — o desejo de ser como Deus, determinando o que é e o que não é.


5. Síntese Filosófica e Teológica da Diferença


Martin Buber, em Eu e Tu (1923), defende que o ser humano só se realiza na relação com o outro. A existência humana é dialógica, e o masculino e o feminino são expressões desse chamado relacional.

O filósofo C.S. Lewis, em A Abolição do Homem (1943), alertou para o perigo de uma sociedade que rejeita a ordem natural: “Ao tentar dominar a natureza, o homem termina dominado por sua própria desumanidade.”

A dissolução da diferença sexual, portanto, é a dissolução da própria humanidade. A liberdade desvinculada da verdade conduz não à emancipação, mas ao caos ontológico.


6. Conclusão


A convergência entre teologia, filosofia e ciência aponta para uma mesma direção: a diferença sexual é um dado da criação e não uma construção da cultura.

A fé revela o propósito da distinção; a biologia confirma sua estrutura; e a filosofia demonstra o absurdo de sua negação.

A tentativa de reconstruir a natureza humana segundo desejos individuais constitui a mais recente forma de rebelião contra o Criador.

Permanece, assim, a verdade eterna e imutável — teológica, científica e ontológica:

“Macho e fêmea os criou” (Gn 1:27).


Referências


AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 2000.

AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. São Paulo: Loyola, 2001.

BARTH, Karl. Church Dogmatics III/1. Edinburgh: T&T Clark, 1958.

BAUDRILLARD, Jean. Simulacres et Simulation. Paris: Galilée, 1991.

BUBER, Martin. Eu e Tu. São Paulo: Centauro, 2001.

COLLINS, Francis. A Linguagem de Deus: Um Cientista Apresenta Evidências da Fé. São Paulo: Gente, 2007.

HABERMAS, Jürgen. Teoria do Agir Comunicativo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 1987.

LEWIS, C.S. A Abolição do Homem. São Paulo: Thomas Nelson Brasil, 2017.

SAGRADA BÍBLIA. Almeida Revista e Atualizada. Sociedade Bíblica do Brasil, 2009.


Cezar Jr Gomes

Macho e Fêmea os Criou: Uma Perspectiva Teológica, Ontológica e Científica

A narrativa da criação, conforme o Gênesis (1:27), encerra em si uma verdade ontológica de ordem inalterável: “Criou Deus, pois, o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; macho e fêmea os criou.” Esta sentença, de natureza não apenas religiosa, mas metafísica, postula a dualidade sexuada como expressão do próprio ser criador, cuja alteridade relacional se manifesta na complementaridade entre o masculino e o feminino.


A teologia clássica, especialmente em Santo Agostinho (De Civitate Dei) e Tomás de Aquino (Summa Theologica), compreende que a distinção sexual não é mero acidente biológico, mas parte constitutiva da imago Dei. A sexualidade humana, portanto, transcende a carne — ela é símbolo da comunhão e da alteridade que refletem a própria Trindade.


Do ponto de vista científico, a biologia molecular confirma o binarismo genético da espécie humana. O cromossomo sexual XX designa o fenótipo feminino, enquanto o XY determina o masculino. Essa codificação cromossômica, inscrita no cerne do DNA, é imutável em sua essência, resistindo a qualquer tentativa de reconstrução artificial da natureza. Mesmo nos casos de anomalias intersexuais, o genoma revela, por meios citogenéticos, a presença inequívoca de uma estrutura sexual primária. Assim, a ciência molecular — longe de refutar — reafirma o princípio divino da diferenciação sexual.


Entretanto, na contemporaneidade pós-moderna, observa-se o avanço de um paradigma relativista e construtivista que, ao dissolver as categorias ontológicas da criação, converte o ser em pura autodefinição subjetiva. O filósofo Jean Baudrillard descreve esse fenômeno como “a era das simulações”, onde os signos se emancipam da realidade que representavam. A identidade sexual torna-se, assim, um signo flutuante, desprovido de ancoragem ontológica.


Tal dissolução é também denunciada por Jürgen Habermas, que alerta para o “eclipse da razão comunicativa” em uma civilização que substitui a verdade pela sensibilidade. A teologia moral cristã vê nessa mutação cultural não apenas um erro antropológico, mas um sintoma da antiga rebelião gnóstica — a negação dos limites criacionais.


O apóstolo Paulo, ao escrever aos Romanos (1:26-27), já discernia a degeneração moral oriunda da rejeição do Criador: “mudaram a verdade de Deus em mentira, e honraram e serviram mais à criatura do que ao Criador.” Essa inversão ontológica, hoje reproduzida sob o manto da liberdade de gênero, constitui o mesmo ato de insurgência que pretende destronar Deus do centro da antropologia.


O teólogo suíço Karl Barth afirmou que “a diferença entre homem e mulher é o primeiro e mais evidente sinal do pacto de Deus com a criação.” E o filósofo Martin Buber, em sua obra Eu e Tu, acrescenta que o ser humano só se realiza na reciprocidade, e não na autossuficiência narcísica. Assim, a diferença sexual não é opressão, mas relação; não é limitação, mas vocação.


A biologia moderna — de Francis Collins a Richard Dawkins, ainda que em diferentes perspectivas — reconhece a presença de uma ordem natural inscrita na estrutura genética. A tentativa de dissolvê-la mediante artifícios ideológicos constitui, no dizer de C.S. Lewis, a “abolição do homem”: a destruição do humano em nome de uma liberdade desvinculada da verdade.


Conclui-se, portanto, que tanto a teologia quanto a ciência, embora por caminhos distintos, convergem na defesa da realidade binária do ser humano. A fé revela o propósito; a biologia confirma o designio; e a filosofia testemunha o absurdo da sua negação.

No fim, permanece a sentença eterna — não cultural, não relativa, mas ontológica e divina:

“Macho e fêmea os criou.”

E todo discurso que tenta dissolver tal verdade não é progresso, mas regressão à desordem primordial que Deus já havia ordenado pelo verbo criador.


Pense nisso!


Cezar Jr Gomes.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

A Glória que Transcende o Eu

A alma humana, desde o instante em que se descolou da Fonte Primeva, carrega em si uma desordem estrutural — uma fratura ontológica que se manifesta tanto na consciência quanto na fisiologia do ser. O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Filipenses (2:3), diagnostica essa enfermidade ao admoestar: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade”. Aqui não se trata de mera ética comportamental, mas de uma reorientação existencial que toca as fibras mais profundas da antropologia teológica.


Santo Agostinho, em suas Confissões, delineia a vanglória como o ápice da desordem do amor — ordo amoris corrompido —, no qual o homem ama o próprio reflexo mais do que o Criador que o originou. Essa inversão do amor provoca um curto-circuito espiritual, um colapso da hierarquia interior. O ser, que deveria ser teocêntrico, torna-se autocentrado; e o culto, que deveria subir ao Eterno, retorna como eco narcísico ao próprio adorador. A vanglória, assim, é a inflação do ego metafísico, uma hipertrofia do “eu” que busca subsistir fora da graça que o sustenta.


São Tomás de Aquino, por sua vez, em sua Summa Theologica (II-II, q.132), classifica a vanglória como um pecado capital por excelência, visto que corrompe a intenção reta do agir. A ação humana, que deveria ser orientada ad maiorem Dei gloriam, passa a ser regida pelo impulso concupiscente da aprovação humana. O sujeito torna-se refém do olhar alheio, e a sua espiritualidade converte-se em espetáculo. É a teatralização da fé — uma liturgia vazia de essência, mas repleta de aparência.


Sob uma ótica fisiológica e filosófica, poder-se-ia afirmar que a vanglória atua como uma disfunção psicossomática da alma. Ela altera o metabolismo da consciência, promovendo um estado de exaltação ilusória que consome o vigor espiritual. O organismo moral se descompensa: o orgulho acelera o pulso do ego, a inveja eleva a pressão da alma, e a humildade, que deveria regular o fluxo das virtudes, é substituída por uma taquicardia da vaidade. A fisiologia do espírito adoece quando perde o ritmo da obediência.


Em contraste, o agir para a glória de Deus é a restauração dessa harmonia perdida. É o retorno do cosmos interior à sua ordem original — a sinfonia em que cada gesto humano ecoa o som do divino. Karl Barth diria que a verdadeira ética cristã não consiste em moralidade autônoma, mas em resposta obediente à revelação: o bem só é bem quando é realizado em Cristo e por Cristo. Assim, toda ação destituída da finalidade teocêntrica é, por definição, desintegrada — ainda que moralmente louvável.


O princípio paulino, portanto, não é um mero conselho de conduta, mas uma convocação à kenosis: o esvaziamento do eu em favor da plenitude do Espírito. O Cristo encarnado demonstra que a glória divina não se manifesta na ostentação, mas no serviço; não no trono, mas na cruz. E, fisiologicamente falando, é nesse esvaziamento que o ser encontra equilíbrio, porque o coração que se humilha pulsa em conformidade com o compasso da eternidade.


Nada façais por contenda ou vanglória — porque a contenda é a fricção das vaidades, e a vanglória é o espasmo da alma que perdeu o eixo. Fazei tudo para a glória de Deus — porque somente nela o homem reencontra sua integridade perdida e sua verdadeira razão de existir. A glória divina é o oxigênio da alma: fora dela, o espírito sufoca; dentro dela, respira eternidade.


Pense Nisso!


Cezar Jr

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Da Fidelidade Estéril e da Falsidade Frutífera:

Reflexões sobre a Melancolia Moral do Ser Contemporâneo


Plantar fidelidade e colher falsidade é uma das mais pungentes tragédias morais da existência humana. Tal antagonismo denuncia a crise ética de uma era em que a constância perdeu o valor de virtude e se tornou quase uma ingenuidade. A fidelidade — outrora sinal de caráter e de transcendência do eu — converteu-se em objeto de escárnio num mundo que celebra a fluidez das conveniências.


Segundo Santo Agostinho, “a medida do amor é amar sem medida”, e por extensão, a medida da fidelidade é permanecer mesmo quando o outro já se desfez. Entretanto, essa permanência — que deveria ser virtude — transforma-se em tormento quando o fiel percebe que sua entrega floresceu em terreno árido, onde as raízes da verdade não encontram abrigo. Surge, então, a dor não apenas da decepção, mas da injustiça afetiva, que subverte o equilíbrio entre o dar e o receber.


O filósofo Blaise Pascal advertia que o coração tem razões que a razão desconhece; talvez por isso o fiel insista em plantar lealdade onde já não há esperança de colheita. Mas a fidelidade autêntica não é comércio de afeições — é expressão de natureza moral, um eco da imagem divina no homem. Ela sobrevive mesmo à ingratidão, pois, como diria Kierkegaard, “a pureza do coração consiste em querer uma só coisa”: ser verdadeiro, ainda que o mundo se corrompa ao redor.


A falsidade, por outro lado, é o simulacro da virtude — uma máscara de conveniência. É volúvel como o vento das circunstâncias e sutil como a serpente do Éden. Em sua essência, ela é o inverso da fidelidade: onde esta edifica comunhão, aquela semeia desconfiança; onde uma constrói eternidade, a outra se dissolve na efemeridade dos interesses.


O fiel traído experimenta, então, uma melancolia ontológica, isto é, uma tristeza que transcende o sentimento e alcança o ser. É o lamento do justo em um mundo de duplicidades, o eco da dor de C.S. Lewis, que afirmou que “a integridade é fazer o que é certo, mesmo quando ninguém está olhando”. A fidelidade não busca testemunho, mas consciência — e é justamente essa interioridade silenciosa que torna sua dor tão profunda.


Plantar fidelidade em solo de falsidade é, paradoxalmente, um ato de resistência espiritual. É afirmar, contra o cinismo dos tempos, que ainda há virtudes que não se dobram à lógica do oportunismo. E se o fiel colhe ingratidão, ainda assim sua semente é sagrada: ela germina na eternidade, onde o Justo Juiz — e não os homens — há de recompensar cada gesto de verdade.


Pense nisso!


Cezar Jr Gomes