A alma humana, desde o instante em que se descolou da Fonte Primeva, carrega em si uma desordem estrutural — uma fratura ontológica que se manifesta tanto na consciência quanto na fisiologia do ser. O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Filipenses (2:3), diagnostica essa enfermidade ao admoestar: “Nada façais por contenda ou por vanglória, mas por humildade”. Aqui não se trata de mera ética comportamental, mas de uma reorientação existencial que toca as fibras mais profundas da antropologia teológica.
Santo Agostinho, em suas Confissões, delineia a vanglória como o ápice da desordem do amor — ordo amoris corrompido —, no qual o homem ama o próprio reflexo mais do que o Criador que o originou. Essa inversão do amor provoca um curto-circuito espiritual, um colapso da hierarquia interior. O ser, que deveria ser teocêntrico, torna-se autocentrado; e o culto, que deveria subir ao Eterno, retorna como eco narcísico ao próprio adorador. A vanglória, assim, é a inflação do ego metafísico, uma hipertrofia do “eu” que busca subsistir fora da graça que o sustenta.
São Tomás de Aquino, por sua vez, em sua Summa Theologica (II-II, q.132), classifica a vanglória como um pecado capital por excelência, visto que corrompe a intenção reta do agir. A ação humana, que deveria ser orientada ad maiorem Dei gloriam, passa a ser regida pelo impulso concupiscente da aprovação humana. O sujeito torna-se refém do olhar alheio, e a sua espiritualidade converte-se em espetáculo. É a teatralização da fé — uma liturgia vazia de essência, mas repleta de aparência.
Sob uma ótica fisiológica e filosófica, poder-se-ia afirmar que a vanglória atua como uma disfunção psicossomática da alma. Ela altera o metabolismo da consciência, promovendo um estado de exaltação ilusória que consome o vigor espiritual. O organismo moral se descompensa: o orgulho acelera o pulso do ego, a inveja eleva a pressão da alma, e a humildade, que deveria regular o fluxo das virtudes, é substituída por uma taquicardia da vaidade. A fisiologia do espírito adoece quando perde o ritmo da obediência.
Em contraste, o agir para a glória de Deus é a restauração dessa harmonia perdida. É o retorno do cosmos interior à sua ordem original — a sinfonia em que cada gesto humano ecoa o som do divino. Karl Barth diria que a verdadeira ética cristã não consiste em moralidade autônoma, mas em resposta obediente à revelação: o bem só é bem quando é realizado em Cristo e por Cristo. Assim, toda ação destituída da finalidade teocêntrica é, por definição, desintegrada — ainda que moralmente louvável.
O princípio paulino, portanto, não é um mero conselho de conduta, mas uma convocação à kenosis: o esvaziamento do eu em favor da plenitude do Espírito. O Cristo encarnado demonstra que a glória divina não se manifesta na ostentação, mas no serviço; não no trono, mas na cruz. E, fisiologicamente falando, é nesse esvaziamento que o ser encontra equilíbrio, porque o coração que se humilha pulsa em conformidade com o compasso da eternidade.
Nada façais por contenda ou vanglória — porque a contenda é a fricção das vaidades, e a vanglória é o espasmo da alma que perdeu o eixo. Fazei tudo para a glória de Deus — porque somente nela o homem reencontra sua integridade perdida e sua verdadeira razão de existir. A glória divina é o oxigênio da alma: fora dela, o espírito sufoca; dentro dela, respira eternidade.
Pense Nisso!
Cezar Jr
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