No âmago da tessitura cognitiva, manifesta-se um impulso inexorável ao ululato (ululare - latin) moral, uma pulsão que transpõe as barreiras da complacência social. Esse ímpeto, carregado de veemência quase litúrgica, almeja descerrar véus de hipocrisia e expor as artimanhas de uma ficção consensual. Contudo, ergue-se um hiato entre a verve denunciadora e o receptáculo auditivo, haja vista a apatia generalizada que corro e a capacidade de escuta atenta. Surge, pois, o paradoxo: bradar na vastidão de uma plateia indiferente equivale a insuflar notas em um vazio sinfônico, um gesto de vã retórica cuja ressonância se perde no éter da indiferença.
No entremeio dessa encruzilhada existencial, o indivíduo, seduzido pela quimera do prestígio efêmero, abdica de sua autenticidade em troca de um efémero fulgor de vaidade. Assume, por brevíssimo interlúdio, o avatar do traído pelo poder ilusório de um status fabricado, deleitando-se no simulacro do reconhecimento alheio. Essa renúncia consubstancia-se tanto em cárcere voluntário quanto em exílio interior, pois a soberba passa a ditar a pauta das convenções interpessoais, subtraindo-lhe a capacidade de protesto genuíno.
Logo, imerge-se o ator social no dilema semântico: se o palco público recusa-se a acolher o clamor sincero, para que e para quem elevar o brado? Qual interlocutor existe quando se banalizou o ethos (carater moral - grego) da solidariedade e se reduziu a indignação a mera retórica de ocasião? Se o instante presente ostenta a efêmera oportunidade de revelação, é preciso indagar se não se trata apenas de um fragmento perecível, jovial fagulha prontamente consumida pela voracidade do tempo. Assim, a pergunta mais contundente não reside no conteúdo do protesto, mas na própria viabilidade de sua recepção: gritamos, enfim, ao acaso ou a um espectro de possíveis corações dispostos a escutar?
“Há, em mim, um bramido retido, um ululato capaz de rasgar as frágeis
cortinas do simulacro social, mas que esbarra no martírio da indiferença. Esse
clamor germina do solo árido da vaidade — retém-se nos estreitos porões da
própria alma, como um eco que recusa dissipar-se por não encontrar ouvidos
capazes de decifrar a sua urgência. Por vezes, entrego-me à quimera de um
instante epifânico, crendo que bastaria erguer a voz para erfundir a hipocrisia
que gruda aos pilares do cotidiano; mas logo percebo que todo fulgor de
denúncia é devorado pelo voraz Tempo, e o brilho momentâneo se transmuta em
cinza, sem que outra lufada de vento o adie.
Eis, pois, o cerne da questão: para que bradar, se o auditório universal
recusou-se a abraçar o manifesto? A autenticidade, quando se conjuga na palavra
irrefletida, corre o risco de converter-se em mera retórica ritual, tal qual um
hieróglifo ininteligível àqueles que preferem o conforto da apatia. No entanto,
subsiste uma ética do gesto — mesmo que o grito se perca no ocaso das
convenções, ele persiste como ato inaugural de liberdade interior, pois o
sujeito que ousa pronunciar a verdade, por mais incerta que seja sua
repercussão, reafirma-se como artífice de si mesmo.
Assim, o brado autêntico não se dirige a um “eles” imaginário, mas a esse
ser difuso que somos quando despertos do sonho coletivo. Gritar é um exorcismo
do Medo, um rito em que a voz se dá como testemunha irredutível do instante
vivido. E, caso não haja receptor sensível, resta ao brado a sua própria
consumação: um sacrifício voluntário que consagra o proscrito encontro do ser
com a sua própria ousadia.”
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